Page 94 - XXIII Prêmio Tesouro Nacional 2018
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Tema – Equilíbrio, transparência e planejamento fiscal de médio e longo prazo – Fernando Covelli Benelli
palavras, a hipótese da criação pura e simples de instituições com capacidade de
“amarrar as mãos” dos políticos encontra suporte empírico duvidoso. A causalidade
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reversa é outra hipótese recorrente ligada a essa questão: países com contas públicas
mais equilibradas tenderiam a adotar instituições desse tipo como forma de sinalizar
a boa qualidade de sua política (POTERBA, 1994). Uma boa sinalização reduziria o
problema de informação assimétrica entre os eleitores e o governo, que, assim, aumen-
taria suas chances de reeleição (DEBRUN; KUMAR, 2007). Outrossim, variáveis
omitidas correlacionadas simultaneamente com as regras fiscais e com o desempenho
fiscal podem ser mais uma fonte de endogeneidade. Por exemplo, a preferência do
eleitorado pela sustentabilidade da dívida geraria, a um só tempo, melhor desempenho
fiscal e a criação de instituições garantidoras desse compromisso. Finalmente, muitos
dos estudos citados utilizam algum tipo de índice que reflete a “força” da instituição,
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com base em itens como abrangência, base legal, rigor na observância do cumpri-
mento das regras etc. Tais medidas são frequentemente ordinais por natureza, o que
dificulta a comparação entre si (BADINGER; REUTER, 2017).
Estudos especificamente orientados a mensurar os impactos dos CFs no
resultado fiscal, embora mais recentes, sofrem dos mesmos problemas citados
acima para as regras fiscais. E, devido ao número significativamente menor de
publicações, ainda não incorporaram muitas das tentativas para o tratamento
daqueles problemas exibidos nas avaliações dessas regras.
Mesmo no contexto de causalidade reversa, os CFs ainda podem gerar
impactos positivos na condução da política fiscal. Visto que a informação assimé-
trica entre os eleitores e o governo constitui mais uma fonte de viés deficitário –
p. ex., orçamentos pouco transparentes tendem a ser excessivamente dispendiosos
(ALESINA et al., 1999) –, a atenuação dessa assimetria pode criar condições para
um desempenho fiscal mais condizente com o socialmente desejável (DEBRUN;
KUMAR, 2008). Em outra linha da literatura, a criação de instituições fiscais
aumenta a credibilidade do governo na condução da política fiscal, o que possi-
bilita a redução das taxas de juros cobradas pela emissão de dívida soberana
nos mercados financeiros (HALLERBERG; WOLFF, 2006) e abre espaço para a
contenção do viés deficitário.
Dado o exposto até aqui, fica claro que a estimação dos efeitos das insti-
tuições sobre o desempenho fiscal não é tarefa fácil. A tentativa mais imediata
de aplicação de variáveis instrumentais fica logo comprometida pela escassez de
da União Europeia, apenas o Reino Unido e a Bélgica exibiam evidência desse tipo de comportamento.
3 Debrun e Kumar (2008) não encontram estimativas significativamente distintas ao empregar variáveis instrumentais
para as regras fiscais. Já Badinger e Reuter (2017), ao selecionar instrumentos supostamente mais adequados,
encontram o inverso. Em uma amostra de países da União Europeia, De Haan, Moessen e Volkerink (1999) confirmam
empiricamente a presença de causalidade reversa.
4 Por exemplo, o Fiscal Rule Index (FRI), elaborado pelo FMI, ou índices de CFs, construídos por alguns autores, como
Debrun e Kumar (2007), Coletta e Infantino (2015) e Maltritz e Wuste (2015).
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