Page 154 - XXII Prêmio Tesouro Nacional 2017
P. 154
Tema – Equilíbrio e Transparência Fiscal – Sérgio Wulff Gobetti, Rodrigo Octávio Orair e Frederico N. Dutra
Afinal, é preciso distinguir quanto do choque sofrido pela economia é transi-
tório e quanto é permanente, o que é efeito cíclico e o que pode ser uma alteração
duradoura, tanto no nível quanto nas taxas de crescimento. Ambos os tipos de
choque afetam o resultado fiscal, mas apenas os permanentes ou duradouros
(refletidos no PIB potencial ou tendencial) alteram a posição estrutural das
finanças públicas. Qual a relevância disso para questões práticas envolvendo a
política fiscal?
Em primeiro lugar, se ocorre uma quebra no nível potencial de produto (como
é a hipótese desse estudo), os resultados fiscais sofrerão uma redução estrutural
independentemente de ações discricionárias da autoridade fiscal. Imaginemos uma
guerra, por exemplo, que destrua a capacidade produtiva da economia e regrida seu
produto em 20%. Mesmo que o governo não altere as alíquotas dos tributos e seus
gastos, o resultado fiscal sofrerá uma piora significativa da noite para o dia, que será
interpretada erroneamente como um impulso fiscal expansionista pela metodologia
padrão de ajustamento ao ciclo. Ao contrário, se a regressão econômica fosse consi-
1
derada totalmente temporária ou cíclica, o resultado fiscal ajustado não se alteraria
(uma vez que a queda de receita seria considerada momentânea) e, implicitamente,
a política fiscal seria interpretada como neutra, como de fato é o caso do exemplo
analisado. Ou seja, a hipótese errada sobre a natureza da queda do PIB conduz à
conclusão correta sobre a natureza da piora do resultado fiscal, enquanto a hipótese
correta sobre o que efetivamente ocorreu com o produto (uma regressão econômica,
fruto de destruição de capacidade produtiva) leva a uma interpretação equivocada
sobre a orientação da política fiscal.
Desse modo, o presente estudo pretende demonstrar como a metodologia
convencional de ajustamento ao ciclo torna-se extremamente vulnerável em
momentos de quebra estrutural e, ainda mais, de volatilidade das estimativas
de PIB potencial, no qual não há consenso sobre a natureza (demanda versus
oferta) e persistência dos choques sofridos pelas economias mundiais (APOKIN;
IPATOVA, 2016). Isso dificulta tanto a análise sobre a orientação da política fiscal
e a mensuração dos impulsos fiscais quanto a comparação entre os resultados
fiscais estruturais de antes e depois da crise.
Essa problemática tem produzido um amplo debate na União Europeia e
a revisão das metodologias adotadas para mensurar o produto potencial e para
monitorar o cumprimento das regras fiscais pelos países membros, como mostra
a sequência de estudos produzidos no âmbito da Comissão Europeia desde 2010.
2
Na prática, como veremos adiante, ao mesmo tempo em que se busca aprimorar
1 Suponhamos que o PIB caia de 100 para 80, que a carga tributária permaneça inalterada em 30% do PIB e que a
despesa permaneça inalterada no patamar de 30. Nesse caso, o resultado fiscal inicialmente nulo (30%*100 - 30 = 0) se
transformará em um substancial déficit (30%*80 - 30 = -6).
2 Ver D’Auria et al. (2010), Havik et al. (2014), Lendvai et al. (2015) e, finalmente, Hristov, Raciborski e Vandermeulen
(2017), todos desenvolvendo tentativas de aperfeiçoar as estimativas de produto potencial, bem como Carnot e Castro
(2015), que apresentam um novo benchmark para mensurar o esforço fiscal de cada país.
152 Finanças Públicas – XXII Prêmio Tesouro Nacional – 2017