Page 123 - XXIII Prêmio Tesouro Nacional 2018
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Tema – Equilíbrio, transparência e planejamento fiscal de médio e longo prazo – Fernando Covelli Benelli
Dado que a dimensão redistributiva da política fiscal é muito mais acentuada
que o da monetária, o recrutamento de apoio político para mudanças institu-
cionais torna-se igualmente mais problemático. No Brasil, raras são as ocasiões
em que importantes medidas de cunho fiscal são aprovadas rapidamente e com
ampla maioria no Congresso. E, mesmo nesses casos, a instabilidade do suporte
político compromete a eficácia das reformas no longo prazo.
Um exemplo é a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Aprovada em abril
de 2000, com tramitação no Congresso em exíguos nove meses, e sem alterações
relevantes no projeto original, teve votação favorável de ampla maioria nas duas
Casas Legislativas (385 votos na Câmara e 60 no Senado). Asazu e Abrucio (2003)
atribuem essa inabitual velocidade de tramitação ao sucesso do Plano Real no
controle da inflação, que pôde revelar à sociedade o nível de desordem a que
tinha chegado as finanças públicas, impondo a agenda de reformas ao Congresso.
Desde sua entrada em vigor, alguns estudos mostram que a LRF foi exitosa
em seus objetivos ao aumentar a arrecadação e reduzir as despesas de capital
(NAKAGUMA; BENDER, 2006), bem como ao moderar a prociclicalidade da
política fiscal (ROCHA, 2009). A despeito disso, não tem exibido sinais de que
resiste às mudanças de preferências da classe política quanto à necessidade de
manutenção da austeridade fiscal. Sua credibilidade tem sido posta à prova devido
ao uso de dispositivos casuísticos para contornar os limites de gastos estabele-
cidos e impedir a aplicação de penalidades previstas aos estados e municípios
que descumprem as metas fixadas. Segundo Posen (1995), mesmo contando com
considerável consenso político à época de sua implementação, faltou à LRF a
couraça institucional capaz de protegê-la da mudança de ventos nas preferências
de política fiscal, tão frequentes na tradição brasileira.
A principal lacuna na regulamentação da LRF residiu na falta de implemen-
tação, conforme previsto, do Conselho de Gestão Fiscal (CGF). O CGF teria como
tarefa essencial garantir que os limites de gasto e endividamento estabelecidos
pela lei fossem detalhados de tal forma a serem entendidos igualmente por todos
os estados e municípios. Isso evitaria, como acontece hoje, que a interpretação dos
conceitos de despesa de pessoal, dívida líquida, gastos de subsídios, entre outros,
fosse feita arbitrariamente e da forma mais conveniente para que, pelo menos em
teoria, as exigências fixadas fossem atendidas.
A implementação do CGF representaria um importante avanço institu-
cional no controle das contas públicas. No entanto, com a instituição da IFI, o
debate acerca da sobreposição de competências entre os dois órgãos progrediu
na academia e no governo. Isso porque uma das funções precípuas do CGF é o
monitoramento das regras numéricas, que coincide com o segundo dos quatro
objetivos definidos para a IFI, conforme a resolução do Senado que a criou.
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